Introdução
As alergias a metais são uma condição prevalente e muitas vezes subdiagnosticada que afeta uma parcela significativa da população mundial. Apresentam-se como dermatite de contato local aguda ou crônica e dermatite de contato sistêmica.
Dentre os diversos metais, o níquel se destaca como a causa mais comum de alergias a metais, afetando aproximadamente 17% das mulheres e 5% dos homens.
Existem outros metais causadores de alergia como o cromo, cobalto, paládio, titânio, vanádio. Vou descrever os meandros das alergias aos metais, com foco particular na sensibilidade ao níquel e suas potenciais implicações em reações alérgicas a implantes ortopédicos, marca-passos, dentários e aparelhos ortodônticos.
Além disso, aprofundaremos a importância dos testes de contato realizados por alergistas para diagnosticar com precisão as alergias a metais e como a detecção precoce pode prevenir reações adversas e falhas de implantes.
Quem é Dr Octavio Grecco?
Nasci em uma família de alérgicos e desde dois anos comecei a manifestar asma e rinite. Naquela época não havia os medicamentos que temos hoje e por isso acabei sofrendo muitas crises, e com restrições para atividades físicas como andar de bicicleta, jogar futebol e até mesmo com a necessidade de internação hospitalar.
Meu pai era biólogo e professor, e conversávamos muito sobre ciência e saúde e isto me estimulou o interesse pela Medicina. Na Faculdade tive o despertar do meu interesse pela Imunologia e Alergia, com certeza devido às alergias que ainda tenho. Então me especializei em Alergia e Imunologia Clínica.
E também por influência de meu pai acabei seguindo carreira acadêmica, dedicando-me a ensinar alergia e Imunologia para médicos estagiários e residentes do Serviço de Imunologia Clinica e Alergia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Como sempre tive formação Humanista e sendo Alergologista, sempre avalio o paciente integralmente e não somente sua “pele alérgica” (p.ex.), pois o paciente é alérgico na totalidade. Com esta visão global tenho a possibilidade de ajudar as pessoas alérgicas e consequentemente melhorar sua qualidade vida.
Minha formação:
- Formado em Medicina pela Faculdade de Medicina da PUC -SP 1988.
- Residência em Clínica Médica 3 anos SUS SP.
- Especialização em Alergia e Imunologia Clínica no Hospital das Clínicas – Faculdade de Medicina da USP.
- Mestrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP.
- Médico Responsável pelo Ambulatório de Dermatite de Contato e Reações a Implantes do Hospital das Clínicas FMUSP.
- Médico Responsável pelo Ambulatório de Candidíase Vaginal de Repetição e Herpes de Repetição do Hospital das Clínicas da FMUSP.
- Médico Assistente do Ambulatório de Imunodeficiências Primárias do Hospital das Clínicas da FMUSP.
- Membro da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia – ASBAI.
- Membro da Comissão de Dermatite de Contato da ASBAI 2022-2024.
- Membro da Diretoria da Regional São Paulo da ASBAI 2022-2024.
- Membro da Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica (European Academy of Allergy and Clinical Immunology – EAACI).
- Membro da Sociedade Europeia de Dermatite de Contato (European Society of Contact Dermatitis).
- Membro da Organização Mundial de Alergia (World Allergy Organization).
- Membro do Comitê Brasileiro de Imunodeficiências – COBID.
- Diretor Clínico e Responsável Técnico pela Clínica IMABE na cidade de São Paulo.
Compreendendo a alergia a metais: níquel, um exemplo clássico
O níquel, um metal branco prateado, é amplamente utilizado em diversas indústrias, incluindo joias, eletrônicos, celulares e até implantes dentários e ortopédicos. Ele está presente universalmente até em alimentos, bebidas e cosméticos.
Embora muitas pessoas possam tolerar a exposição ao níquel sem problemas, alguns indivíduos desenvolvem uma reação alérgica quando a pele ou outras partes do corpo entram em contato com esse metal.
Abordarei abaixo as reações comuns de contato com metais, porém lembro que outros metais também podem desencadear as mesmas reações.
1. Dermatite de contato local aguda
A reação ao níquel geralmente se manifesta como uma erupção no local onde o objeto com níquel entrou em contato, chamada de dermatite de contato local. Neste caso apresenta-se com aspecto de mancha vermelha com algumas bolinhas que podem ser endurecidas ou conter líquido claro acompanhada de prurido.
2. Dermatite de contato local crônica
Se o contato persistir pode desencadear uma reação crônica caracterizada por pele escurecida, ressecada e às vezes com fissuras (rachaduras).
3. Dermatite de contato sistêmica
Em algumas pessoas muito alérgicas a este metal, a reação alérgica ao níquel pode ser muito forte. Nessa situação ela manifesta-se como:
- eczema em vários locais do corpo,
- sintomas gastrointestinais como dor epigástrica, diarreia, flatulência,
- dor de cabeça,
- mal-estar
Estes sintomas ocorrem quando a pessoa alérgica entra em contato com produtos que contenham o níquel por outra via que não a pele, como:
- alimentos como cacau, oleaginosas (castanha de caju, castanha do Brasil, nozes, avelã, amêndoa, amendoim, pistache, macadâmia); leguminosas (feijão, soja, grão-de-bico, lentilha, ervilha); alimentos enlatados
- bebidas: chás principalmente preto, café, bebidas enlatadas
- medicamentos por via oral, injetável
- implantes metálicos como próteses ortopédicas, aparelhos de marca-passo, aparelhos ortodônticos, implantes odontológicos
A dermatite de contato sistêmica é uma situação grave que deve ser conduzida pelo médico alergista, muitas vezes com necessidades de medicamentos imunossupressores ou condutas até mesmo radicais como retirada do implante causador da reação.
Prevalência de alergia ao níquel
A prevalência da alergia ao níquel é particularmente digna de nota. Conforme mencionado anteriormente, estima-se que 17% das mulheres e 5% dos homens em todo o mundo sejam sensibilizados ao níquel. Esta disparidade de gênero é parcialmente atribuída à exposição frequente e prolongada a joias, bijuterias e outros acessórios que contêm níquel, que são mais frequentemente usados pelas mulheres.
Recentemente tem sido descritos reações a níquel também em meninos e adolescentes do gênero masculino. Estima-se que ocorra em virtude do uso de aparelhos ortodônticos como uma das principais causas de provocar alergia, além do uso mais precoce de brincos e piercings nesta população.
Implicações para implantes metálicos
Pacientes com alergia ao níquel enfrentam desafios únicos quando se trata de implantes ortopédicos e dentários. Esses implantes geralmente contêm ligas à base de níquel e, quando implantados em pacientes com alergia ao níquel, podem desencadear uma série de reações adversas.
Existem vários tipos de ligas metálicas e na suspeita o paciente deve conversar com seu médico ou dentista para saber quais são os componentes do implante a que será submetido. Algumas complicações potenciais incluem:
- Reações localizadas: Em alguns casos, os pacientes podem apresentar reações localizadas ao redor do local do implante, causando desconforto, dor e inflamação. Esses sintomas podem afetar significativamente a qualidade de vida e exigir atenção médica adicional.
- Perda do implante: Alergias graves ao níquel podem levar à perda do implante, o que pode exigir a remoção e substituição do implante. Esta situação pode ocorrer até mesmo de maneira rápida, chamada de perda precoce do implante. Este processo pode ser dispendioso e emocionalmente angustiante para os pacientes.
- Reações sistêmicas: Em casos raros, pacientes com alergias graves ao níquel podem apresentar reações sistêmicas, como já descritas anteriormente como dermatite de contato sistêmica.
A importância dos testes de contato
Para prevenir essas complicações e fornecer cuidados adequados aos indivíduos com alergia a metais, um diagnóstico preciso é crucial. É aqui que os testes de contato realizados por alergistas se tornam inestimáveis. O teste de contato, também conhecido como patch test, envolve a aplicação de pequenas quantidades de várias substâncias alergênicas, incluindo níquel, na pele de um paciente para identificar possíveis sensibilidades.
Este método ajuda a confirmar se um indivíduo é alérgico ao níquel ou a outros metais comumente encontrados em implantes, além também de avaliar sensibilização a produtos cosméticos, medicamentos de uso tópico, produtos de borracha entre outros.
O teste de contato é um procedimento exclusivo do médico, devendo ser aplicado por alergistas experientes, pois apesar de ser aplicado na pele, algumas vezes pode ocasionar reações locais mais importantes.
Existem vários tipos de teste de contato. O mais utilizado para avaliar reações a metais é o teste de contato de oclusão com avaliações em 48 e 96 horas e em alguns casos avaliações no sétimo e décimo dias também são realizadas. Neste teste o paciente fica com substâncias químicas aderidas em suas costas por meio de fitas adesivas durante 2 dias.
Pelo fato de o paciente ficar com os adesivos nas costas, não poderá molhar o dorso nem fazer atividades físicas ou que causam sudorese excessiva para não ocorrer o descolamento dos adesivos e consequentemente perda do teste.
O paciente deve retornar no consultório médico onde foi aplicado o teste 2 dias e 4 dias após, por exemplo, se o teste iniciou num segunda-feira, deverá retornar na quarta e sexta feiras, para que o alergista faça as devidas avaliações e concluir o resultado do teste.
Ressalto que nem todas as substâncias que deram resultados positivos são importantes; é necessário que o alergista avalie a relevância da substância, ou seja, se a substância positiva realmente desencadeia reação no paciente ou simplesmente é positiva sem nenhuma repercussão na doença do paciente.
Detecção precoce para prevenção
A detecção precoce de alergias a metais por testes de contato pode impactar significativamente o plano de tratamento do paciente. Quando um paciente é diagnosticado com alergia a metais, por exemplo, ao níquel, materiais de implante alternativos podem ser considerados, reduzindo o risco de complicações relacionadas ao implante.
Por exemplo, os implantes de liga de titânio sem níquel ou de outros componentes, são frequentemente utilizados como uma alternativa sem níquel, pois são biocompatíveis com menor probabilidade de desencadear reações alérgicas.
Além disso, os pacientes que estão conscientes das suas alergias aos metais podem tomar precauções na sua vida diária para minimizar a exposição a itens que contenham níquel, tais como evitar certas joias, bijuterias e fechos de roupa.
Em países europeus existe legislação para controlar a quantidade e exclusão de níquel em produtos como alimentos, bebidas, água entre outros. Desta maneira a exposição continua ao níquel é minimizada e consequentemente diminuem as chances de as pessoas tornarem-se alérgicas a este metal
Conclusão
A sensibilidade ao níquel é um problema generalizado que afeta uma parcela substancial da população. Seu potencial de causar complicações com implantes ortopédicos e dentários ressalta a importância do diagnóstico preciso por meio de testes de contato realizados por alergistas.
A detecção precoce pode não apenas prevenir complicações relacionadas ao implante, mas também melhorar a qualidade de vida geral de indivíduos com alergia a metais. Num mundo onde a exposição aos metais é quase inevitável, o conhecimento e as medidas proativas são fundamentais para gerir eficazmente as alergias aos metais e garantir o sucesso a longo prazo dos procedimentos ortopédicos e de implantes dentários.
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